sábado, 24 de novembro de 2007

AIDS, juventude e atitude – 24/11/2007


O Programa Nacional DST-AIDS acaba de lançar o seu Boletim Epidemiológico, documento que anualmente apresenta os dados estatísticos dessa epidemia que ainda nos assola.
De 1980 a 2007, quase meio milhão de brasileiros adoeceram de AIDS. Perto de 200 mil já morreram. Em 2006 foram cerca de 33 mil novos casos notificados. Quase 10 mil óbitos. No mundo de 6 bilhões de habitantes, 33,2 milhões vivem com o HIV, ou seja mais de 0,5% da população do nosso planeta. Só em 2007, morreram 2,1 milhões de pessoas em decorrência da AIDS. Caso sério…
Pioneiros na manifestação da doença, homossexuais e bissexuais masculinos estão historicamente ligados à epidemia e ainda constituem um dos grupos mais vulneráveis ao HIV. De 1996 até hoje, saltamos de 24,1% do total de casos para 41,1%, um crescimento de 70,5% em 10 anos, coincidindo justamente com o período da heterossexualização, feminização, pauperização e interiorização da epidemia, quando as atenções estiveram voltadas para outros segmentos que vinham preocupando.
Os números apontam um crescimento da epidemia entre os jovens, atribuído à banalização da doença, que passou a ser vista como crônica após o surgimento dos medicamentos anti-retrovirais que deram aos doentes de AIDS uma larga perspectiva de vida. Se por um lado faz com que jovens de 13 a 24 anos, que já nasceram num mundo com HIV, se preocupem menos com a prevenção; por outro, apresenta uma queda real entre os homossexuais acima de 50 anos, atribuída exatamente a uma maior conscientização e às reminiscências de uma faixa etária que foi duramente afetada pelo vírus.
Interessante que, apesar do crescimento da epidemia da Aids entre homens heterossexuais, os machos brasileiros não reagem, não se organizam e continuam na ilusão de que estão imunizados por serem heterossexuais. Ainda acreditam que a doença atinge somente os homens que fazem sexo com homens. Aids é uma epidemia que atinge a todos que se envolvem de alguma forma em relações sexuais desprotegidas ou se expõem a sangue infectado, seja através de acidentes com material biológico, compartilhamento de seringas ou transfusões inapropriadas. Não importa sua orientação sexual.
O quadro também não é muito animador quando nos referimos às mulheres. Partimos, em 1980, de uma razão de 27 homens para cada mulher com Aids e chegamos em 2006 com 1,6 homens para cada mulher. Entre as jovens na faixa de 13 a 19 anos essa proporção se inverte: hoje, para cada dez meninas infectadas temos seis meninos. As mulheres ainda usam menos preservativos nas suas relações e não se sentem vulneráveis ao HIV. As jovens se sentem inseguras ao procurar os postos de distribuição de preservativos e ao negociar o uso da camisinha com seus parceiros. Os reflexos disso estão aí.
O Plano de Enfrentamento da Aids entre Gays, Homens que fazem sexo com Homens e Travestis, construído em conjunto com a sociedade civil, acabou tendo seu lançamento adiado. O Plano vem galgando aos trancos e barrancos todos os infinitos passos da burocracia e tem merecido um cuidado especial que garanta o efetivo compromisso de cada esfera governamental: foi submetido à consulta pública, pactuado com secretários estaduais e municipais de saúde, aprovado em comissões e gabinetes e só será lançado em 2008.
A partir dessa semana, como faz anualmente, a mídia começa a veicular a campanha preparada para o Dia Mundial de Luta contra a AIDS, o 1º de Dezembro. A campanha desse ano vai além da simples mensagem de sexo seguro e convida os jovens a tomarem uma atitude frente ao tema, sejam meninos, meninas, gays ou heteros. Fechando, lança o desfio: "qual sua atitude na luta contra a AIDS?".
Camisinha sempre!

sábado, 17 de novembro de 2007

Nós na Mídia – 17/11/2007


Definitivamente, estamos na mídia – seja nos noticiários ou nos apropriando das suas ferramentas. Já no domingo, 11/11, o drama de Bernardinho, personagem gay da novela das 21h "Duas Caras", da Globo, estava nas páginas dos jornais e revistas. Na semana anterior, uma cena mostrou o rapaz sendo vítima de todo o tipo de preconceito, após ser flagrado na cama com outro homem. O bonitão que se prestou ao papel de expor o rapaz e revelar sua homossexualidade saiu ileso da história. Em nenhum momento sua masculinidade foi colocada em dúvida, ao contrário do Bernardinho, apesar de terem sido flagrados juntos.
Aguinaldo Silva ainda promete fazer com que Bernardinho se apaixone por uma mulher, e caso o foco esteja nas possibilidades múltiplas do amor, nas suas rasteiras e na desvinculação entre afeto e realização sexual, a história pode nos surpreender. Porém, a abordagem corre o risco de alimentar a ilusão de uma possível mudança de orientação sexual e provocar a proliferação de curandeiros e curadores, salvadores e reorientadores a serviço da moral conservadora.
Saindo da ficção, terça-feira, 13/11, a realidade bateu com força à nossa porta. Preso em Aracajú, Sidclei Costa Silva, 23, confessou o assassinato de Mauro José Mascarenhas Pimentel dos Santos, 46, gay, irmão do humorista Cláudio Manoel (o Seu Creysson do "Casseta & Planeta"), ocorrido na semana passada em Salvador. Conheceram-se na rua, foram para o seu apartamento, discutiram e Mauro acabou assassinado a facadas. Sidclei levou seu celular e o DVD.
O enredo é nosso velho conhecido. O que nos leva a correr tantos riscos desnecessários? Se momentos de solidão, se doces desejos ou tristes ilusões, não importa. Além do perigo de se levar estranhos para dentro de casa, oferecer carona ou se isolar em companhia de desconhecidos, os gays continuam caindo na arapuca de negociações mal feitas, onde as regras, as propostas, os papéis não ficam bem definidos e acabam servindo de motivo para uma discussão violenta. E um fim trágico…
No meio da semana, uma vitória: o resultado concreto das estratégias de emancipação social promovidas a favor dos homossexuais. Na quarta-feira, 14/11, a equipe do Ponto G de Cultura do MGM apresentou os pilotos dos programas e vinhetas da MGM Web Rádio, que está prestes a entrar no ar pelo site da associação (www.mgm.org.br). Nos últimos meses, os computadores da ONG foram invadidos por efeitos, locutores, DJs, e a rádio nasce do espírito militante dessa juventude GLBT orgulhosa de sua condição.
Existe uma estética nova, uma linguagem, códigos que os diferenciam das demais tribos, que fazem com que a juventude GLBT tenha personalidade própria e esteja cônscia de seu lugar na sociedade, seus direitos e deveres. Com uma história que não chega a 40 anos de luta política no mundo, e menos ainda no Brasil, os resultados têm sido surpreendentes. Não pensávamos em atingi-los ainda nessa geração e é com satisfação que admiramos hoje o orgulho do Jonathan, do Cebola e equipe, apresentando o seu trabalho à frente da rádio.
E para que o feriado não passasse em branco, novamente a polêmica sobre a entrada dos eventos GLBT de Juiz de Fora no calendário oficial da cidade foi ponto de pauta na quinta-feira. Sem mais argumentos, os opositores se baseiam na exclusão, do desrespeito e no jogo de interesses políticos. O tema virou uma queda de braços sem sentido, uma questão de honra, a partir de uma situação criada pelo próprio poder público que, na primeira ameaça, literalmente "tirou o seu time de campo". Como pano de fundo, as articulações para as eleições de 2008 e o interesse final naqueles que fazem do voto sua triste moeda de troca.
Camisinha sempre!

sábado, 10 de novembro de 2007

Cultura e Saúde no caos – 10/11/2007


Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil se encontram em Belo Horizonte para conversar sobre o programa que contempla uma das maiores parcerias do governo com os movimentos sociais: o Cultura Viva, do Ministério da Cultura. É a Teia 2007, que começou com uma tradicional cerimônia chapa-branca, onde Lula e Gilberto Gil brilharam no auditório do Palácio das Artes e Aécio Neves não compareceu, apesar de anfitrião. São mais de 3.000 produtores, artistas e gestores. Cerca de 600 Pontos de Cultura, dos quais 53 em Minas Gerais. 98% deles com algum tipo de problema ou pendência nos seus projetos e prestações de contas.
O evento de abertura foi antecedido pela entrega da Ordem do Mérito Cultural. Entre os agraciados, alguns gays, dos quais Luiz Mott, antropólogo e fundador do GGB (Grupo Gay da Bahia) se destacou, escolhido para falar em nome de todos os agraciados.
No mesmo dia, em Goiânia, encerrava-se o 14º Enong (Encontro Nacional de ONGs Aids), evento que, além de ser um espaço para o intercâmbio e a definição das estratégias de enfrentamento da AIDS pelos movimentos sociais, escolhe as representações que irão servir de interlocutores entre sociedade civil e governo, nas instâncias conquistadas pelos brasileiros. Um evento tumultuado, desorganizado, improvisado, que escancarou a fragilidade oculta do movimento de luta contra a Aids, ainda tido como referência internacional, modelo para o mundo e uma das mais vitoriosas parcerias entre Estado e sociedade civil.
A Teia de BH e o Enong de Goiânia, aparentemente isolados, possuem muitas coisas em comum.
Primeiro porque em ambos os homossexuais participam. No movimento de luta contra a Aids, a presença dos gays ainda é bastante forte, seja nas ONGs do movimento GLBT que trabalham a prevenção, seja naquelas outras onde se engajam para colaborar na causa. Protagonistas históricos dessa batalha, pudemos sentir que não dá para baixar a guarda e achar que a epidemia está sob controle entre nós. Não está. Os homossexuais ainda representam uma parcela significativa das pessoas infectadas pelo HIV ou doentes de Aids e esse percentual estabilizou-se em níveis muito elevados, o que preocupa ativistas e governo.
No emergente movimento social em torno do Cultura Viva, somos apenas dois Pontos de Cultura GLBT em todo o Brasil nos dedicando à apropriação valorização e preservação das manifestações culturais que nos são próprias. Um deles está em Juiz de Fora e funciona no MGM – Movimento Gay de Minas: o Ponto G de Cultura. O outro em Porto Alegre, tocado pelo grupo Somos.
Ainda percebemos que somos meio alienígenas, despertando olhares críticos, narizes torcidos e muito preconceito entre aqueles que fazem a nossa cultura popular. Apesar da forte presença dos gays no teatro, dança, artesanato, cinema, bastidores, palcos e picadeiros, o debate sobre a orientação sexual e o fim da discriminação não foram ainda incorporados pelos Pontos. A idéia de se ampliar o leque de manifestações que formam a sopa cultural brasileira e incluir a cultura GLBT na Teia 2007 não foi cumprida. Nenhum dos dois pontos GLBT se apresentou em BH e a Parada da Diversidade que encerraria o evento foi cancelada sem maiores explicações.
Além de ambos os encontros serem realizados com dinheiro público, eles tiveram em comum a desorganização, a improvisação e a falta de compromisso com convidados e participantes. Em Goiânia, chegou-se a cogitar o desvio dos recursos disponibilizados pelo Programa Nacional DST-AIDS do Ministério da Saúde para que o evento fosse realizado. Em Belo Horizonte, pessoas sem alojamento, sem condução, sem alimentação, perdidas em Venda Nova ou no corredor cultural que se tentou formar do Palácio das Artes à Casa do Conde, passando pelo parque municipal e a praça da Estação.
Esse tipo de desorganização chama a atenção para os grupos que vêm trabalhando cultura e saúde em nosso país e levanta suspeitas. Não de desvios, superfaturamentos ou apropriação do dinheiro público, mas a suspeita de que existe um movimento voltado para o esvaziamento das ações das organizações não-governamentais que hoje estão substituindo o Estado em várias ações que seriam de sua alçada. Não voltadas para a massa das organizações da sociedade civil, mas para aquelas que insistem em colocar interesses pessoais acima do coletivo e acabam levando ao esvaziamento e à desmoralização do Terceiro Setor no Brasil, tão novo e tão visado.
Em todos eles, ficou clara a necessidade de se reavaliar o formato adotado e rever o marco legal que serve de base para essas parcerias e convênios entre sociedade civil organizada e as três esferas do governo. Nossas leis não podem servir de empecilho para o crescimento e a ampliação da nossa participação na condução do país. E a bagunça que assistimos em Goiânia e Belo Horizonte não podem servir de parâmetro para avaliar e destruir aquilo que construímos com tanto sacrifício.
Camisinha sempre!

sábado, 3 de novembro de 2007

Aí é diferente… – 03/11/2007



_ Hummm… homem com homem? Que nojo? Homem arranha, machuca…
_ Mulher também gosta…
_ Mas, aí é diferente…
_ (…)
_ Sei lá, cara. Gay é meio invasivo. O cara chega e vai logo te dando uma cantada…
_ Nem todo gay é assim. E isso não é coisa de gay; é comum em qualquer homem. Os heterossexuais também agem assim com as mulheres.
_ Mas, aí é diferente…
_ (…)
_ Tudo bem, cara, acho que todo mundo tem o direito de ser do jeito que quiser, mas precisa ser todo afeminado, todo afetado?
_ Nem todo gay é assim, mas, se todo mundo tem o direito de ser do jeito que quiser, porque ele não tem o direito de ser afeminado? Você é afeminado?
_ Claro que não!
_ E você tem o direito de não ser afeminado, certo?
_ Mas, aí é diferente…
_ (…)
_ Sei lá, gay parece que faz questão de mostrar pra todo mundo que é gay. O cara pode até ser gay, mas porque não fica lá no seu canto?
_ Que canto?
_ Na casa dele, uai!
_ Mas, os heterossexuais não ficam heteros só em suas casas; ficam em todo lugar. Heterossexuais vão ao cinema com suas namoradas, aos restaurantes, viajam e se hospedam em quartos de casal…
_ Não é isso que eu estou dizendo. Tudo bem o cara ser gay, mas precisa ficar fazendo apologia da homossexualidade?
_ Apologia da homossexualidade?
_ É… Sair por aí se exibindo, dizendo que ser gay é bom, que não tem problema, que todo mundo deveria ser gay, que as pessoas deviam experimentar, sei lá…
_ Não vejo muito isso. Escuto mais críticas à homossexualidade que elogios.
_ Claro, quem é que vai elogiar o cara gay?
_ Pessoas que saibam separar as coisas. Se um cara é um bom profissional, por exemplo, ele merece elogios, independente de sua orientação sexual. Não interessa para um patrão se o cara é gay ou não, a não ser que o trabalho dele envolva sexo.
_ Eu acho que mesmo não dizendo, um gay quando fica namorando em público já está servindo de exemplo.
_ Sério? Você poderia ser influenciado?
_ Eu? Claro que não! Mas, meu filho novinho…
_ Você conhece alguém que mudou de idéia sobre sua heterossexualidade?
_ Conheci um cara que era hetero e que um belo dia virou gay. Mas, no fundo, todo mundo já manjava ele.
_ Então, ele não virou gay; ele já era gay e parou de se esconder. Com os heteros não acontece isso porque ninguém esconde que é hetero e assume um dia. Seu filho só vai ser aquilo que ele for. Se ele for gay, você só vai poder aceitá-lo. O desejo sexual não é tão influenciável assim que se mude de um dia pro outro. O que se espera é que uma criança receba bons exemplos: caráter, integridade, honestidade, correção, solidariedade. Não importa se esses exemplos sejam transmitidos por um gay ou por um hetero.
_ Então, porque você acha que um cara é gay?
_ Pelo mesmo motivo que um outro é hetero.
_ Mas, o hetero é assim porque é assim que a gente se reproduz.
_ E você só transa para reproduzir?
_ Não. Na maioria das vezes é só prazer.
_ Nem todo mundo tem a mesma forma de prazer. Cada um tem seus desejos e suas preferências. Gays gostam de pessoas do seu mesmo sexo.
_ Olha, cara, tudo bem o cara ser gay, mas precisa ficar se beijando no meio da rua, andando de mãos dadas, etc.?
_ Nossa sociedade é assim: quando duas pessoas se gostam elas namoram. Namorar significa trocar afeto e isso não é ilegal, nem exclusividade de ninguém. Todo mundo que se ama tem esse direito. Casais hetero têm esse direito.
_ Mas…
_ Já sei: aí é diferente…

Camisinha sempre!