sábado, 10 de novembro de 2007

Cultura e Saúde no caos – 10/11/2007


Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil se encontram em Belo Horizonte para conversar sobre o programa que contempla uma das maiores parcerias do governo com os movimentos sociais: o Cultura Viva, do Ministério da Cultura. É a Teia 2007, que começou com uma tradicional cerimônia chapa-branca, onde Lula e Gilberto Gil brilharam no auditório do Palácio das Artes e Aécio Neves não compareceu, apesar de anfitrião. São mais de 3.000 produtores, artistas e gestores. Cerca de 600 Pontos de Cultura, dos quais 53 em Minas Gerais. 98% deles com algum tipo de problema ou pendência nos seus projetos e prestações de contas.
O evento de abertura foi antecedido pela entrega da Ordem do Mérito Cultural. Entre os agraciados, alguns gays, dos quais Luiz Mott, antropólogo e fundador do GGB (Grupo Gay da Bahia) se destacou, escolhido para falar em nome de todos os agraciados.
No mesmo dia, em Goiânia, encerrava-se o 14º Enong (Encontro Nacional de ONGs Aids), evento que, além de ser um espaço para o intercâmbio e a definição das estratégias de enfrentamento da AIDS pelos movimentos sociais, escolhe as representações que irão servir de interlocutores entre sociedade civil e governo, nas instâncias conquistadas pelos brasileiros. Um evento tumultuado, desorganizado, improvisado, que escancarou a fragilidade oculta do movimento de luta contra a Aids, ainda tido como referência internacional, modelo para o mundo e uma das mais vitoriosas parcerias entre Estado e sociedade civil.
A Teia de BH e o Enong de Goiânia, aparentemente isolados, possuem muitas coisas em comum.
Primeiro porque em ambos os homossexuais participam. No movimento de luta contra a Aids, a presença dos gays ainda é bastante forte, seja nas ONGs do movimento GLBT que trabalham a prevenção, seja naquelas outras onde se engajam para colaborar na causa. Protagonistas históricos dessa batalha, pudemos sentir que não dá para baixar a guarda e achar que a epidemia está sob controle entre nós. Não está. Os homossexuais ainda representam uma parcela significativa das pessoas infectadas pelo HIV ou doentes de Aids e esse percentual estabilizou-se em níveis muito elevados, o que preocupa ativistas e governo.
No emergente movimento social em torno do Cultura Viva, somos apenas dois Pontos de Cultura GLBT em todo o Brasil nos dedicando à apropriação valorização e preservação das manifestações culturais que nos são próprias. Um deles está em Juiz de Fora e funciona no MGM – Movimento Gay de Minas: o Ponto G de Cultura. O outro em Porto Alegre, tocado pelo grupo Somos.
Ainda percebemos que somos meio alienígenas, despertando olhares críticos, narizes torcidos e muito preconceito entre aqueles que fazem a nossa cultura popular. Apesar da forte presença dos gays no teatro, dança, artesanato, cinema, bastidores, palcos e picadeiros, o debate sobre a orientação sexual e o fim da discriminação não foram ainda incorporados pelos Pontos. A idéia de se ampliar o leque de manifestações que formam a sopa cultural brasileira e incluir a cultura GLBT na Teia 2007 não foi cumprida. Nenhum dos dois pontos GLBT se apresentou em BH e a Parada da Diversidade que encerraria o evento foi cancelada sem maiores explicações.
Além de ambos os encontros serem realizados com dinheiro público, eles tiveram em comum a desorganização, a improvisação e a falta de compromisso com convidados e participantes. Em Goiânia, chegou-se a cogitar o desvio dos recursos disponibilizados pelo Programa Nacional DST-AIDS do Ministério da Saúde para que o evento fosse realizado. Em Belo Horizonte, pessoas sem alojamento, sem condução, sem alimentação, perdidas em Venda Nova ou no corredor cultural que se tentou formar do Palácio das Artes à Casa do Conde, passando pelo parque municipal e a praça da Estação.
Esse tipo de desorganização chama a atenção para os grupos que vêm trabalhando cultura e saúde em nosso país e levanta suspeitas. Não de desvios, superfaturamentos ou apropriação do dinheiro público, mas a suspeita de que existe um movimento voltado para o esvaziamento das ações das organizações não-governamentais que hoje estão substituindo o Estado em várias ações que seriam de sua alçada. Não voltadas para a massa das organizações da sociedade civil, mas para aquelas que insistem em colocar interesses pessoais acima do coletivo e acabam levando ao esvaziamento e à desmoralização do Terceiro Setor no Brasil, tão novo e tão visado.
Em todos eles, ficou clara a necessidade de se reavaliar o formato adotado e rever o marco legal que serve de base para essas parcerias e convênios entre sociedade civil organizada e as três esferas do governo. Nossas leis não podem servir de empecilho para o crescimento e a ampliação da nossa participação na condução do país. E a bagunça que assistimos em Goiânia e Belo Horizonte não podem servir de parâmetro para avaliar e destruir aquilo que construímos com tanto sacrifício.
Camisinha sempre!

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