sábado, 28 de julho de 2007

Homofobia e intransigência – 28/07/2007


Não tem sido muito boa a acolhida do poder público de Belo Horizonte à Parada do Orgulho GLBT da cidade. A Parada é um evento cívico e, assim como no resto do mundo, merece ser tratada com mais respeito e atenção.
No último domingo, 22 de julho, uma multidão se aglomerou na praça Sete, convocada para participar da nossa 10ª Parada. Pessoas que saíram de suas casas para mostrarem- se orgulhosos de sua condição homossexual na cidade em que vivem. Ou de suas cidades, para participarem da Parada da capital. Milhares de pessoas dispostas a saírem da invisibilidade e lutarem pelos seus direitos, demonstrando seu amor diferente.
Mas, a Parada quase não aconteceu. O Corpo de Bombeiros tentou a todo custo impedir que os carros de som fossem para a Afonso Pena. Inflexíveis, condicionaram a saída dos carros ao cumprimento de algumas normas tão restritivas que inviabilizam qualquer evento em logradouros públicos no nosso estado. Pelo volume de pessoas previsto, exigiam cem brigadistas de incêndio e quatro ambulâncias com pelo menos um médico e dois enfermeiros em cada uma delas. Nem no Mineirão em dia de Atlético e Cruzeiro…
Não parece estranho o Corpo de Bombeiros exigir da organização do evento que disponibilizasse uma brigada com cem pessoas? Onde existem cem pessoas preparadas para situações de emergência no combate a incêndios senão no Corpo de Bombeiros? A quem recorremos quando precisamos montar um esquema de segurança contra incêndios senão ao Corpo de Bombeiros?
A Parada do Orgulho GLBT é uma manifestação popular, uma passeata e, como tal, prevista no código de posturas da cidade que diz que "a realização de passeata ou manifestação popular em logradouro público é livre, desde que não haja outro evento previsto para o mesmo local; tenha sido feita comunicação oficial ao Executivo e ao Batalhão de Eventos da Polícia Militar de Minas Gerais, informando dia, local e natureza do evento, com, no mínimo, 24 (vinte e quatro) horas de antecedência; e não ofereça risco à segurança pública."
A Parada é um evento pacífico e os índices de violência são próximos de zero, portanto, os riscos são menores que aqueles previstos em eventos de multidão. Cumpridas essas exigências de agendamento e comunicados aos órgãos competentes, o evento é livre para acontecer. Cabe à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros fazer com que a segurança pública seja garantida e não impedir um evento, como aconteceu domingo.
Se a Parada exigia interdição de trânsito, o Batalhão de Trânsito estava lá para interditá-lo de forma a garantir que não houvesse risco para os participantes. Se existia risco de brigas, a Polícia Militar estava lá, garantindo a integridade física dos presentes. Se existia risco de incêndio, o Corpo de Bombeiros deveria estar lá, dimensionado de acordo com as previsões e a experiência de quem lida com o assunto. Não foi o que vimos.
O que se viu na Parada foi uma inversão de competências, aliadas à falta de bom senso e, principalmente, à homofobia dos encarregados do Corpo de Bombeiros que, insatisfeitos com a presença dos homossexuais na ruas, acabaram por ser os principais responsáveis pelos riscos a que foi submetida a multidão de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e heterossexuais que estavam na Praça Sete no domingo.
Camisinha sempre! 

sábado, 21 de julho de 2007

Será que ele é? – 21/07/2007


Quase diariamente nos chegam especulações sobre a sexualidade de alguém famoso: será que ele é? Basta o sujeito estar na crista da onda, ser bonito, fazer sucesso, vencer, para que comecem a levantar suspeitas sobre sua orientação sexual. Por traz disso estão conceitos machistas e preconceituosos. À falta de horizontes, à mente minguada dos trogloditas machistas e dos fofoqueiros profissionais, unem-se estereótipos daninhos e a difusão do pensamento lugar-comum, que se reproduz sem questionamentos, sem explicações, sem conhecimento: o "pré-conceito".
O caminho é tortuoso. Tudo começa na construção da ideia negativa de que todo gay é um homem mal-acabado, com defeito. Ser gay, portanto seria vergonhoso, ruim, fraco, pior, covarde etc. Por fim, impõem-se as conclusões: homem tem que ser rude; se você não é rude, você não é homem; se você não é homem, você é gay; logo, você é pior. Homem não pode ser vaidoso; se você é vaidoso, você não é homem; portanto você é gay; logo, você é ruim, merece ser menosprezado, ridicularizado, maltratado. Homem que é macho não recusa uma mulher; se as mulheres não são o seu objeto de desejo, você não é homem; se você não é homem, é gay. E por aí vai…
Levantar suspeitas sobre alguém famoso visa ofuscar os seus méritos. Tem o propósito de nivelar por baixo, diminuir virtudes, talvez para amenizar o desequilíbrio entre o famoso e o invejoso. No caso dos homens, questionar sua masculinidade parece funcionar: ele pode até ter sucesso, mas não é macho, é gay.
Por que gays famosos se escondem? Existem depoimentos de atores globais que se escondem pelo temor de não serem mais escalados para os papéis de galãs, caso assumam sua homossexualidade. Ou até mesmo perderem o emprego. Existem referências a cláusulas contratuais de famosos que os obrigam a manter sigilo sobre sua orientação homossexual, ou que impõem sansões caso haja qualquer comportamento que venha a ferir a imagem proposta pelo contratante. Mas, existem também aqueles que preferem manter esse assunto em foro íntimo, entendendo que ser gay não é uma informação importante para compor seu personagem público.
Gays famosos que se assumem publicamente contribuem, sem dúvida, para a construção de uma imagem positiva a nosso respeito. Jean Willys colaborou demais para isso, ao se assumir gay durante o "Big Brother", como se lembram. Sair do armário faz bem à saúde e promove valores como a coerência e a honestidade.
Mais que uma forma de perpetuação de sua cultura, os afro-descendentes, por exemplo, incentivam o assumir- se negro como um ato político de libertação e resistência à opressão. Também os gays devem incentivar o assumir- se gay como algo que vai além da atitude individual: a construção coletiva de um movimento justo e forte o suficiente para vencer a luta diária contra a homofobia. Apesar de tudo, entendo que o "outing" é uma decisão individual. Alguns se dispõem a isso. Outros, não.
Não é papel de jornalista, paparazzi, militante, namorado magoado, mãe, vizinho invejoso, de ninguém. Cada um é o dono da chave de seu armário. Cabe ao próprio gay tornar pública sua orientação sexual. Cabe a nós e ao poder público criarmos condições seguras para que isso ocorra sem traumas. Apontar o dedo e denunciar comportamentos homossexuais de famosos que não querem se revelar é uma tentativa de prejudicá-los, de exigir que se comportem diferente do que querem, de forçá- los a uma posição que não desejam.
Nosso papel é outro: incentivá-los, sim; denunciá-los, não.
Camisinha sempre! 

sábado, 14 de julho de 2007

A Parada de Belô – 14/07/2007





Dia 22 de julho acontece a X Parada do Orgulho GLBT de Belô e isso me lembra minha primeira participação na Parada de Belo Horizonte. Era a primeira exposição pública como gay, na cidade onde me escondi a maior parte da vida. Não que eu nunca tivesse me exposto em Belo Horizonte. Pelo contrário, já havia dado algumas entrevistas, cheguei a ser flagrado com meu companheiro num desfile da Banda Mole, numa ocasião em que ainda vivia em conflito com minha homossexualidade.
Mas, politicamente, ali, na Parada, foi tão emocionante quanto a primeira de todas. Ela aconteceu em Londres, em 1997, período em que estive estudando na capital inglesa. Não me esqueço da emoção que tomou conta de mim quando vi tantas pessoas felizes, iguais a mim, expostas, sem medo, confraternizando-se, gritando palavras de ordem acompanhadas por milhares de apitos estridentes que davam a cor local.
Diferente das nossas, na London Gay Pride Parade a música de trios elétricos é substituída pelo som dos apitos, que eram vendidos por dezenas de militantes, e o dinheiro destinado às ONGs que organizavam o evento e que custeava a própria Parada e suas ações durante todo o ano. Chamava a atenção também o uso que era dado à enorme bandeira do arco-íris. À sua passagem os gays, lésbicas e simpatizantes ingleses jogavam moedas, que reluziam saltitantes sob o movimento do tecido colorido. De tempos em tempos, a organização recolhia aquele dinheiro em enormes baldes e todos se sentiam felizes em colaborar.
Nossa primeira parada de Belo Horizonte – e de Minas – aconteceu um ano depois, em 1998, tendo à frente a ativista Soraya Meneses, presidente da Associação Lésbica de Minas (ALEM) A homofobia era tão temida e a vontade de se fazer ouvir tão grande que alguns ativistas do Grupo Guri, liderados pelo falecido Itamar Santos, foram à primeira Parada ocultos por fantasias dos personagens de Walt Disney, que escondia suas identidades e preservava seu anonimato. Tempos difíceis…
De lá para cá, a Parada do Orgulho GLBT de Belô, como passou a ser chamada, cresceu muito, tanto em número de participantes, como em organização. Este ano, as atividades começaram com dez dias de antecedência. O circuito completo inclui mostra de cinema, seminários, festas oficiais no Confessionário, Solluna e Gis Clube, a já tradicional Caminhada das Lésbicas no sábado, entrega de prêmios e lançamento de livros. O tema – "Por um Mundo sem Racismo, Machismo e Homofobia" – permeia todas as palestras.
Estão previstas ainda ações de prevenção às DST-Aids, uma vez que a X Parada do Orgulho GLBT de Belô, através do Grupo Cellos, foi uma das vencedoras do edital aberto pelo Programa Nacional DST-Aids para ações de prevenção nas Paradas, importante momento de visibilidade em que as práticas de sexo seguro não podem ser esquecidas.
A concentração será as 11h, na rua São Paulo com Carijós, onde acontecem as tradicionais falas políticas e a apresentação das principais artistas drag queens da cena GLS de Belo Horizonte. Estão previstos dez trios elétricos e um show de encerramento, às 19h, na dispersão da Parada.
É importante que os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais prestigiem a Parada de Belô. Ela é o resultado de muita luta enfrentada com bravura pelos companheiros e companheiras de nossa capital nesses nove anos de visibilidade sadia, orgulhosa e cidadã.
Camisinha sempre! 

sábado, 7 de julho de 2007

Família: último refúgio? – 07/07/2007


A princípio, é a família que nos acolhe nos momentos em que o mundo inteiro está contra nós. Recentemente, vimos pela televisão dois pais, em situações opostas, encararem a difícil tarefa de, diante das câmeras, defenderem – ou não – seus filhos. De um lado, o pai da doméstica agredida na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, indignado pela selvageria a que sua filha foi submetida. Do outro, o pai de um dos jovens agressores, inconsolado, perdido, tentando encontrar um apoio, uma razão, algo que pudesse usar para diminuir a ignorância do ato do rapaz e minimizar a reação pública contra ele.
Ambos acolheram seus filhos e protegeram-nos, seja para que a Justiça fosse feita e os responsáveis punidos, de um lado; seja para que ela não fosse tão rigorosa e desse uma nova chance ao jovem classe média, do outro. Família é assim: tem um olhar condescendente. Ou pelo menos deveria ter.
Na minha casa, quando jovem, me lembro de ouvir com insistência, principalmente nos momentos em que, por um motivo qualquer, nos colocávamos contra nossos pais e ao lado dos amigos: "Um dia, quando te faltarem os amigos, será a família que te acolherá".
O que temos percebido é que existem condições para esse acolhimento que passam, necessariamente, pelo enquadramento do jovem aos anseios de seus pais, o que nem sempre acontece. Filhos gays são até aceitos, desde que deixem de sê-lo (como se isso fosse possível), não se comportem como tal, escondam seus desejos, enfim, que deixem de ser autênticos e atendam às expectativas de seus pais heterossexuais. Que finjam ser quem não são, que simulem amar quem não amam, que abram mão de valores como a honestidade, sinceridade, coerência, para serem aceitos.
Ainda hoje, encontramos rapazes e moças em sérias dificuldades, expulsos de casa ao revelarem sua homossexualidade. Renegados pela família, as soluções que a cidade lhes oferece não resolvem muito: a prostituição para sobreviver, as drogas para esquecer e a violência para extravasar. Sem orientação, tornam-se jovens mal-educados sexualmente, frágeis diante das ameaças urbanas, vulneráveis diante da AIDS e da violência.
Que família é essa que se coloca como o derradeiro apoio e não apóia? Quando assistiremos na TV um pai indignado com a violência homofóbica contra seu filho? Quando veremos o pai de um gay buscando bases para defender um filho infrator sem responsabilizar sua homossexualidade por isso?
Um jovem negro quando chega em casa se queixando por ter sido discriminado encontra apoio de sua família: seus pais e irmãos são geralmente negros como ele e solidários na dor do racismo. Entretanto, quando isso acontece com um jovem gay, sua família lhe vira as costas, envergonhada de sua homossexualidade e do seu jeito de ser.
Então, se a família, o último e incondicional refúgio, se nega a acolher esses jovens homossexuais, quem assumirá essa tarefa?
Camisinha sempre!