sábado, 12 de maio de 2007

Mãe, eu sou gay! – 12/05/2007


Mãe, eu sou gay!
Todos concordam: o alívio compensa a dor e o nervosismo de um dos momentos mais tensos na vida de qualquer homossexual: a hora de se revelar para a família, em especial para ela. Como é difícil dizer: “Mãe, eu sou gay!”.
Aliás, não é fácil dizer isso a ninguém. Geralmente recebemos um ato de violência em resposta à revelação da nossa homossexualidade. É comum uma risadinha, uma chacota, uma baixa no tratamento que passamos a receber a partir daí, seja feita à família, aos colegas de escola, trabalho ou os amigos de rua. Isso quando não acontece a violência física homofóbica, propriamente dita: “sai fora, viado!”. Portanto, revelar-se homossexual sempre é uma situação tensa e temida por grande parte dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Bem diferente dos heterossexuais.
Não me esqueço da minha revelação à minha mãe. Já adulto, vivia uma temporada de retorno ao lar materno, o bom e velho ninho de Santa Tereza, em BH. Eu e minha mãe sempre nos admiramos e apoiamos muito. Tínhamos uma relação franca, mas ironicamente, as últimas pessoas a quem revelei minha homossexualidade foram justamente as que eu mais amava; minha mãe entre elas.
Época conflituosa, nervosa, estressante, em que minha vida dupla era repleta de constantes sobressaltos. Sempre existia um folheto de um bar gay esquecido no bolso de uma calça; ou uma janela qualquer largada aberta no computador, telefonemas suspeitos, destinos obscuros, histórias mal contadas, companhia estranhas. O submundo de farsas e mentiras que acaba envolvendo quem vive no armário insistia em emergir. As evidências escapavam pelos meus dedos, incapazes de conter o incontido.
A decisão de me abrir com a minha mãe já estava tomada. Há meses vinha me preparando para isso. Aquele conflito que me matava por dentro já não fazia mais sentido para um adulto, senhor de seus próprios passos. Mas, a oportunidade, o momento certo não surgia.
Um final de tarde rotineiro, ao chegar do trabalho, encontro minha mãe recebendo umas senhoras, amigas, na sala de casa. Minha presença foi saudada com carinho e minha mãe me apresentou ao grupo, descerrando meu curriculum, ao que as amigas concordavam, compartilhando o orgulho da D. Marlene – é como ela se chama.
E eu ali, ao lado da mãe-coruja, com o tradicional sorriso próprio a essas situações, seguindo o sábio conselho: “quando estiverem te elogiando, não interrompa”. Ainda mais quando os elogios partem da sua mãe.
No dia seguinte, meus conflitos voltaram a me incomodar forte. Essa divisão entre o possível e o verdadeiro me pressionava tanto que joga meu humor lá embaixo. De repente, interrompo minha mãe de seus afazeres e revelo: “Mãe, eu sou gay!”.
Seu rosto não escondeu suas preocupações. Séria, controlando aquela tempestade interior, ouviu até o fim o que eu dizia e chorosa, meio sem palavras, repetiu o bordão de grande parte das mães, nesse momento: “onde foi que eu errei?”
Foi nesse momento que eu lembrei a ela o dia anterior. Porque o orgulho que ela demonstrava ontem deveria dar lugar à vergonha de hoje? Minha homossexualidade não podia ser tão fundamental assim, a ponto de superar negativamente todas aquelas virtudes que no dia anterior eram os adjetivos que me credenciavam.
E disse: “Mãe, você nunca errou. Em nada. Ser homossexual não significa que algo saiu errado. Ser homossexual significa apenas um jeito de amar diferente, mas acima de tudo uma capacidade de amar. Pior seria se eu estivesse me revelado uma pessoa violenta, incapaz de estabelecer uma relação afetiva ou um homofóbico que reage às diferenças com agressões.
“Talvez mude um pouco os rumos do destino que você desenhou para mim. Em vez de uma nora, um genro nos almoços de domingo. Porém, a base de tudo, a noção de família que você me ensinou continua sendo o fundamento da família diferente que eu construí: respeito, amor, solidariedade.
“Você não errou em nada. Você, e todas as mães de homossexuais, acertaram quando criaram filhos e filhas valentes, que desafiam toda a ordem machista estabelecida e colocam sua coragem na defesa de sua forma de amor, sua coerência, sua dignidade.”
Camisinha sempre!

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