segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Ruins de voto e ruins de grana - 08/10/2012




É hora de rever as estratégias políticas do nosso movimento.  É o que mais se tem ouvido nos últimos dias, repetindo pela enésima vez o discurso LGBT que sucede as eleições brasileiras. O movimento LGBT perde eleição até para si mesmo.

São inúmeros os exemplos de derrotas sofridas por nós. Nas eleições de 2000, ano de aprovação da Lei Rosa de Juiz de Fora - a lei mais conhecida da cidade por ter sido a primeira no Brasil a permitir a manifestação de afeto entre pessoas do mesmo sexo - seu criador, o heterossexual Paulo Rogério dos Santos não se reelegeu vereador, apesar da enorme popularidade e a confortável posição de presidente da Câmara. Nessa mesma situação, podemos nos lembrar de históricas derrotas de aliados espalhados pelo Brasil como Iara Bernardi, Marta Suplicy, Fátima Bezerra, Fátima Cleyde e outras dezenas de candidaturas que não se consumaram diante do apoio dos gays e de nossas bandeiras.

Poder-se-ia imputar aos candidatos homossexuais uma trajetória histórica de baixa formação política, falta de capacitação para o exercício político provocada pelo contexto homofóbico a que estamos submetidos e, portanto, um desequilíbrio na disputa com os heterossexuais. Poderíamos pensar na homofobia institucional que desestimula partidos e grupos políticos a investirem em candidatos LGBT e reservam aos homossexuais o conhecido papel de engordar os votos da legenda para garantir a entrada de seus protegidos sem jamais incluí-los nesse hall. Essa lógica falha quando constatamos que até os heterossexuais - que não se submeteram às restrições provocadas pelas vulnerabilidades decorrentes da homofobia e não possuem motivos para estarem fora da lista de protegidos - são sistematicamente derrotados quando se aliam aos LGBT.

Portanto, o problema não está aí. Se fossemos tão incapazes, não teríamos sequer um movimento social organizado, capaz de abrir canais de interlocução com o poder. Apesar de que, isso não quer dizer muito. O fato de estarmos na corte não significa que compartilhamos os seus poderes. O acesso que conquistamos não implica em ganhos políticos e é preciso avaliar a qualidade dessa interlocução com o poder: qual o papel que desempenhamos nesse cenário?  Não nos esqueçamos que os bobos também fazem parte da corte.

Poder-se-ia imputar nossas recorrentes derrotas eleitorais à índole conservadora da sociedade brasileira, cada vez mais comprovada diante dos enormes rebanhos evangélicos guiados por pastores primários e oportunistas. Ainda testemunhamos histórias de campanhas eleitorais destruídas a partir de boatos homofóbicos ou posições favoráveis à interrupção da gravidez. Somos capazes de entregar a condução política do nosso país a analfabetos, palhaços, rinocerontes e macacos, mas não conseguimos confiar em quem defende os gays ou o direito das mulheres. A população brasileira não tem medo de enfrentar bicheiros e mensaleiros, mas se borra diante da possibilidade de uma nova forma de amor ou desenho de família.

O movimento LGBT nunca conseguiu acesso ao poder com base em suas reivindicações e o reconhecimento de seus direitos e sim devido às nossas fragilidades. “A entrada das pautas do movimento nas políticas públicas não se deu pelo reconhecimento das demandas de cidadania de LGBT ou pela criação de conselhos de direitos, mas pela política de saúde e, mais especificamente, a política de combate às DSTs e Aids“, nos explica a socióloga Regina Facchini. Uma vez que a paranoia coletiva da aids começa a se acalmar; o mito da “peste gay” se desmorona na heterossexualização dos dados epidemiológicos; os antirretroviaris se tornam eficientes no controle da doença; e a epidemia da aids perde importância no Brasil, o movimento LGBT se vê na urgente posição de garantir que suas pautas permaneçam inseridas nas políticas públicas governamentais através de outras portas de entrada diferentes da aids. Essas portas, entretanto, se abrem com outras fortalezas, principalmente dinheiro e votos, o que nos deixa de fora.

A trajetória natural das lideranças dos movimentos sociais ao poder não nos atende. Somos ruins de voto e ruins de grana. Possuímos somente um deputado federal gay, eleito por heteros e temos um movimento LGBT que se debate em busca de sustentabilidade e de apoio que o tire da falência financeira.

Ao contrário do caminho percorrido por sindicalistas, estudantes e religiosos que se fizeram reconhecer como lideranças e que entenderam a necessidade de invadir as arenas de poder onde se decide os rumos da atenção pública, nós precisamos buscar outros caminhos para a emancipação da nossa comunidade. Se a cada eleição tivermos que nos reerguer dos tombos que nos têm fragilizado, jamais nos fortaleceremos.