É hora de rever as estratégias políticas do nosso movimento. É o que mais se tem ouvido nos últimos dias,
repetindo pela enésima vez o discurso LGBT que sucede as eleições
brasileiras. O movimento LGBT perde eleição até para si mesmo.
São inúmeros os exemplos de derrotas sofridas por nós. Nas
eleições de 2000, ano de aprovação da Lei Rosa de Juiz de Fora - a lei mais conhecida
da cidade por ter sido a primeira no Brasil a permitir a manifestação de afeto entre
pessoas do mesmo sexo - seu criador, o heterossexual Paulo Rogério dos Santos
não se reelegeu vereador, apesar da enorme popularidade e a confortável posição
de presidente da Câmara. Nessa mesma
situação, podemos nos lembrar de históricas derrotas de aliados espalhados pelo Brasil
como Iara Bernardi, Marta Suplicy, Fátima Bezerra, Fátima Cleyde e outras
dezenas de candidaturas que não se consumaram diante do apoio dos gays e de
nossas bandeiras.
Poder-se-ia imputar aos candidatos homossexuais uma
trajetória histórica de baixa formação política, falta de capacitação para o
exercício político provocada pelo contexto homofóbico a que estamos submetidos
e, portanto, um desequilíbrio na disputa com os heterossexuais. Poderíamos
pensar na homofobia institucional que desestimula partidos e grupos políticos a
investirem em candidatos LGBT e reservam aos homossexuais o conhecido papel de
engordar os votos da legenda para garantir a entrada de seus protegidos sem
jamais incluí-los nesse hall. Essa lógica falha quando constatamos que até os
heterossexuais - que não se submeteram às restrições provocadas pelas
vulnerabilidades decorrentes da homofobia e não possuem motivos para estarem
fora da lista de protegidos - são sistematicamente derrotados quando se aliam
aos LGBT.
Portanto, o problema não está aí. Se fossemos tão incapazes,
não teríamos sequer um movimento social organizado, capaz de abrir canais de
interlocução com o poder. Apesar de que, isso não quer dizer muito. O fato de estarmos
na corte não significa que compartilhamos os seus poderes. O acesso que
conquistamos não implica em ganhos políticos e é preciso avaliar a qualidade
dessa interlocução com o poder: qual o papel que desempenhamos nesse cenário? Não nos esqueçamos que os bobos também fazem
parte da corte.
Poder-se-ia imputar nossas recorrentes derrotas eleitorais à
índole conservadora da sociedade brasileira, cada vez mais comprovada diante
dos enormes rebanhos evangélicos guiados por pastores primários e oportunistas.
Ainda testemunhamos histórias de campanhas eleitorais destruídas a partir de
boatos homofóbicos ou posições favoráveis à interrupção da gravidez. Somos
capazes de entregar a condução política do nosso país a analfabetos, palhaços,
rinocerontes e macacos, mas não conseguimos confiar em quem defende os gays ou
o direito das mulheres. A população brasileira não tem medo de enfrentar
bicheiros e mensaleiros, mas se borra diante da possibilidade de uma nova forma
de amor ou desenho de família.
O movimento LGBT nunca conseguiu acesso ao poder com base em
suas reivindicações e o reconhecimento de seus direitos e sim devido às nossas fragilidades.
“A entrada das pautas do movimento nas políticas públicas não se deu pelo
reconhecimento das demandas de cidadania de LGBT ou pela criação de conselhos
de direitos, mas pela política de saúde e, mais especificamente, a política de
combate às DSTs e Aids“, nos explica a socióloga Regina
Facchini. Uma vez que a paranoia coletiva da aids começa a se acalmar; o
mito da “peste gay” se desmorona na heterossexualização dos dados
epidemiológicos; os antirretroviaris se tornam eficientes no controle da doença;
e a epidemia da aids perde importância no Brasil, o movimento LGBT se vê na urgente posição de garantir que suas pautas permaneçam inseridas nas políticas públicas
governamentais através de outras portas de entrada diferentes da aids. Essas portas,
entretanto, se abrem com outras fortalezas, principalmente dinheiro e votos, o
que nos deixa de fora.
A trajetória natural das lideranças dos movimentos sociais
ao poder não nos atende. Somos ruins de voto e ruins de grana. Possuímos
somente um deputado federal gay, eleito por heteros e temos um movimento LGBT
que se debate em busca de sustentabilidade e de apoio que o tire da falência
financeira.
Ao contrário do caminho percorrido por sindicalistas,
estudantes e religiosos que se fizeram reconhecer como lideranças e que entenderam
a necessidade de invadir as arenas de poder onde se decide os rumos da atenção
pública, nós precisamos buscar outros caminhos para a emancipação da nossa
comunidade. Se a cada eleição tivermos que nos reerguer dos tombos que nos têm
fragilizado, jamais nos fortaleceremos.