Mas, os problemas não começaram agora e sua origem pode ser atribuída à relação que se estabeleceu entre essas organizações (não governamentais) e o governo. A maioria das ONG brasileiras, notadamente aquelas que trabalham com as populações com dificuldade de acesso aos serviços públicos, entre elas os gays, as lésbicas, as travestis, foram durante muitos anos sustentadas com recursos governamentais, sob a égide de ações afirmativas que acabaram submetendo-as a convênios draconianos, cujas regras não se ajustam à sua realidade.
Assim, por trás de um véu de autonomia, muitas ONG trocaram suas convicções pela estabilidade financeira garantida com recursos de projetos governamentais e obviamente, calaram o seu descontentamento quando a fonte secou. A partir de regras cada vez mais excludentes, os poucos, raros e difíceis recursos disponíveis hoje para financiamento de projetos se tornaram inatingíveis para a maioria das organizações. Sem recursos, encerram suas atividades.
Apesar de seu discurso de fortalecimento da sociedade civil, os últimos governos se utilizaram dos recursos investidos no financiamento das ONG para comprar fidelidade e calar os movimentos sociais. E fez isso através de lideranças dispostas a celebrar quaisquer acordos, desde que mantidos seu acesso ao poder – e aos cofres.
A legislação que regulamenta os convênios com as ONG é generalista, passível de interpretações e repleta de brechas que possibilitam a transferência do dinheiro público a projetos definidos como estratégicos a partir do olhar de gestores comprometidos com interesses de grupos ou partidos políticos. Foi ela que fez com que as ONG se tornassem um gargalo para o escoamento de recursos que financiaram ilegalmente campanhas políticas e outras formas de corrupção.
Agora, comodamente, o governo busca na rigidez do controle das ONG uma saída para desviar o foco principal do problema, uma vez que a grande maioria dos recursos desviados financiou aqueles que hoje se encontram no poder. Quando os escândalos vêm à tona, o governo sacrifica as ONG em sua totalidade, mistura joio e trigo, fecha as torneiras, aumenta as exigências burocráticas e causa o fechamento também de centenas de organizações sérias que vinham fazendo a diferença em suas ações sociais. Enquanto isso, dá inicio à discussão sobre as mudanças no marco legal do terceiro setor, mais preocupado com controles e transparência que propriamente com soluções realistas que consigam resgatar os parceiros perdidos.
As organizações não governamentais LGBT estão entre as mais atingidas por essa crise. Incapazes de atender às hercúleas exigencias burocráticas impostas pelo governo e agências internacionais, tradicionais financiadoras de projetos da sociedade civil organizada, enfrentam ainda a revolta dos próprios LGBT, tão generalistas quanto o governo, determinados a apoiarem a desconstrução do movimento como está, sem saber o que colocar no lugar.
Por outro lado, as ONG LGBT ainda não possuem capacidade técnica suficiente para alcançar os recursos da iniciativa privada ou de fundações internacionais. Ainda não dispõem de recursos financeiros, materiais e humanos para responder às exigências de financiadores preocupados em apresentar a seus doadores resultados concretos, definidos a partir de indicadores cada vez mais complexos. Além disso, o pobre movimento LGBT jamais conseguiu captar recursos da população LGBT.
Assim, entre o fogo cruzado do governo, dos conservadores e da própria comunidade LGBT, as ONG que construíram o movimento gay brasileiro, que ajudaram a controlar a epidemia da aids no Brasil, que fazem as estrondosas paradas do orgulho LGBT, que lutaram por direitos tão básicos que hoje os próprios homossexuais menosprezam, entre outros méritos, vão desparecendo. E, na medida em que a homofobia sai do armário, fazendo falta.
Publicada originalmente na Revista H #2
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