Maldito caminho! Maldito ponto de ônibus! Mesmo às 6 da manhã,
passar por aquela rua dava calafrios. Nos primeiros dias saí cinco minutos mais
cedo para dar a volta por outro trajeto, mais longo, e evitar aquela calçada,
mas hoje não.
Ir para a escola se tornara
um tormento. E tudo porque eu havia decidido enfrentar um colega que achou que
podia me seduzir. Preocupado em assegurar firmes as trancas do meu armário,
enfrentei também as minhas inseguranças. Naquela época, ser gay não fazia parte
dos meus planos e eu teimava acreditando que tinha poderes para decidir isso.
Tudo começou com uma
conversa de querer ser mais meu amigo e ir lá em casa, no meio da tarde, para
ver TV. Depois, aquele papo de que havia por trás um interesse em namorar a
minha irmã. Conversa! Seu interesse era em mim, no que eu representava e no que
despertava nele. Pessoa errada, momento errado, estratégia errada.
Revivo cada detalhe enquanto
aperto o passo. As lembranças se tornavam mais fortes, como as batidas nervosas
do meu coração de menino. A pior parte do caminho se aproximava e a vontade era
de voltar.
Foi numa tarde, depois das
tarefas da escola, que ele chegou, fechou a porta e começou a me incomodar, me
passando a mão enquanto eu via TV. Pedi que parasse, saí de perto, evitei, até
reagir com violência, o que gerou uma briga de socos, empurrões e pontapés que
terminou em rostos vermelhos e alguns arranhões, além de ofensas mútuas e
ameaças: um dia ainda iríamos nos encontrar na rua e aí acertarmos aquela
parada. Uma rusga provocada por alguém que um dia me desejou com a intenção de
tocar, depois me difamar e tirar vantagem com os amigos. Típico.
Numa época de sonhos, em que
já considerava o mundo inteiro pequeno para mim, a última coisa que eu
precisava era de um inimigo que o reduzisse à metade: numa eu me encontrava; na
outra, ele. Onde ele estava eu não queria estar, e era melhor que as coisas
ficassem assim, com cada um no seu canto.
Mas existia aquele caminho.
Às seis da manhã eu tinha que passar em frente à sua casa e ali, cedinho,
seríamos só nós dois e o "acerto da parada". Era a primeira vez que
eu era ameaçado por uma situação que envolvia minha sexualidade, e eu sabia que
a decisão sobre quando e quem iria me tocar não cabia a mais ninguém a não ser
a mim. Se um dia eu quisesse, rolaria; se não, não.
Pois, as 6 da manhã ele
estava lá me esperando, com o rosto inchado de quem se obrigou a acordar cedo
para cumprir sua ameaça. Com ar de valente, me abordou desafiante, prevendo que
eu o evitaria, correria, fugiria chorando. Não. Encarei. Respondi. Eu ali,
nervoso, enfrentando-o, e ele soltando suas ofensas, sem saber como reagir à
mudança do enredo que ele tinha imaginado. a bichinha não era tão medrosa
assim. Sem um empurrão sequer, voltou-se para casa resmungando ameaças, entrou
pelo portão e me esqueceu.
Assim, reconquistei a outra
metade de um mundo que sempre fora minha e que continuava pequeno para quem
sonhava grande.
Camisinha sempre!
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