sábado, 5 de dezembro de 2009

Minha metade - 05/12/09



Maldito caminho! Maldito ponto de ônibus! Mesmo às 6 da manhã, passar por aquela rua dava calafrios. Nos primeiros dias saí cinco minutos mais cedo para dar a volta por outro trajeto, mais longo, e evitar aquela calçada, mas hoje não. 

Ir para a escola se tornara um tormento. E tudo porque eu havia decidido enfrentar um colega que achou que podia me seduzir. Preocupado em assegurar firmes as trancas do meu armário, enfrentei também as minhas inseguranças. Naquela época, ser gay não fazia parte dos meus planos e eu teimava acreditando que tinha poderes para decidir isso.

Tudo começou com uma conversa de querer ser mais meu amigo e ir lá em casa, no meio da tarde, para ver TV. Depois, aquele papo de que havia por trás um interesse em namorar a minha irmã. Conversa! Seu interesse era em mim, no que eu representava e no que despertava nele. Pessoa errada, momento errado, estratégia errada.

Revivo cada detalhe enquanto aperto o passo. As lembranças se tornavam mais fortes, como as batidas nervosas do meu coração de menino. A pior parte do caminho se aproximava e a vontade era de voltar.

Foi numa tarde, depois das tarefas da escola, que ele chegou, fechou a porta e começou a me incomodar, me passando a mão enquanto eu via TV. Pedi que parasse, saí de perto, evitei, até reagir com violência, o que gerou uma briga de socos, empurrões e pontapés que terminou em rostos vermelhos e alguns arranhões, além de ofensas mútuas e ameaças: um dia ainda iríamos nos encontrar na rua e aí acertarmos aquela parada. Uma rusga provocada por alguém que um dia me desejou com a intenção de tocar, depois me difamar e tirar vantagem com os amigos. Típico.

Numa época de sonhos, em que já considerava o mundo inteiro pequeno para mim, a última coisa que eu precisava era de um inimigo que o reduzisse à metade: numa eu me encontrava; na outra, ele. Onde ele estava eu não queria estar, e era melhor que as coisas ficassem assim, com cada um no seu canto.

Mas existia aquele caminho. Às seis da manhã eu tinha que passar em frente à sua casa e ali, cedinho, seríamos só nós dois e o "acerto da parada". Era a primeira vez que eu era ameaçado por uma situação que envolvia minha sexualidade, e eu sabia que a decisão sobre quando e quem iria me tocar não cabia a mais ninguém a não ser a mim. Se um dia eu quisesse, rolaria; se não, não.

Pois, as 6 da manhã ele estava lá me esperando, com o rosto inchado de quem se obrigou a acordar cedo para cumprir sua ameaça. Com ar de valente, me abordou desafiante, prevendo que eu o evitaria, correria, fugiria chorando. Não. Encarei. Respondi. Eu ali, nervoso, enfrentando-o, e ele soltando suas ofensas, sem saber como reagir à mudança do enredo que ele tinha imaginado. a bichinha não era tão medrosa assim. Sem um empurrão sequer, voltou-se para casa resmungando ameaças, entrou pelo portão e me esqueceu. 

Assim, reconquistei a outra metade de um mundo que sempre fora minha e que continuava pequeno para quem sonhava grande.

Camisinha sempre!


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