sábado, 25 de junho de 2011

Parada SP - 25/06/2011



Amanhã é o dia da maior parada gay do mundo. São Paulo ferve! Desde a véspera do feriado, centenas de caravanas de gays, lésbicas, travestis e bissexuais desembarcam na capital paulista dispostas a mostrarem a cara, conhecerem outras caras e encararem a maratona de atividades que vão desde as reuniões políticas às mais incríveis baladas, organizadas pelo trade GLS, que atravessam as noites.


Os gays estão em todos os cantos da cidade. A sensação é que os armários foram arrombados e que, finalmente, deixou de fazer sentido se esconder em aparências para agradar aos outros. Homossexuais de todas as nuances invadem o espaço público, lojas, shoppings, parques de diversões, bares e restaurantes, boates, hotéis e, em cada canto, o que se vê é um ensaio para o que seria - ou será um dia - um mundo em que a heteronormatividade não seja uma imposição e outras alternativas de conjugalidade sejam aceitas.


Essa é a mensagem que se lê nas entrelinhas de toda a movimentação provocada pela Parada LGBT. O clima de gentileza que paira sobre a cidade, de confraternização, a sensação orgulhosa do exercício de direitos conquistados e a evidência, por contraste, do quanto nos falta de reconhecimento de cidadania no nosso dia a dia. As pessoas transitam alegres, muitos sorrisos, brincadeiras, prazeres quase infantis de quem se sente livre para dar uma pinta, ser verdadeiro em seus gestos e afetos sem temer a reação violenta e cerceante da homofobia.


Apesar disso, o embate para o qual os homossexuais foram conduzidos como inimigos não acabou. Soldados da guerra santa neopentecostal encontram-se ali ao lado, à espreita, atentos aos nossos movimentos e aguardando o primeiro deslize, a primeira ocorrência, para lançarem suas injúrias e fortalecerem seus músculos nessa ridícula queda de braços.


Na quinta-feira, enquanto milhares de cidadãos se confraternizavam na Feira Cultural LGBT no Anhangabaú, milhões de religiosos marchavam pelas ruas da zona Norte paulistana apregoando sua adoração e defendendo, entre outras virtudes, a "tolerância". À frente do evento, os mesmos hipócritas que, há menos de um mês, estavam em Brasília chefiando a maior manifestação de intolerância e desrespeito aos cidadãos homossexuais dos últimos tempos: a marcha contra o PLC-122, projeto de lei que torna crime a homofobia.


Neste ano, o tema da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo foi tirado dos ensinamentos religiosos: "Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia!". Esperamos que essa lembrança leve as pessoas a refletirem sobre a insensatez que tem se tornado essa guerra.


Camisinha sempre!

sábado, 18 de junho de 2011

Faturas - 18/06/2011


A luta contra a homofobia está longe de ser uma causa unânime. Ainda enfrentamos a resistência de setores que consideram natural as manifestações discriminatórias contra os homossexuais e que acham que não merecemos proteção legal pela violência a que estamos sujeitos.

Existem setores que consideram a homofobia uma mera manifestação da violência urbana o que não exige nenhuma legislação especial.

Exatamente os setores que nos condenam e negam nossos direitos: os que defendem a extinção da homossexualidade e promovem a condenação dos homossexuais. Setores formados por pessoas que discriminam, julgam, condenam, legitimam e abençoam a violência homofóbica... Mas votam, consomem e opinam, o que reduz significativamente as possibilidades de apoio efetivo à nossa luta.

Assim, o poder público tem tido papel fundamental e solitário no financiamento de ações de promoção e defesa dos direitos dos gays. Não fossem os editais que financiam projetos voltados para o combate à homofobia, garantia de direitos e redução das vulnerabilidades dessa população, o movimento LGBT brasileiro não conseguiria executar seu trabalho. A pouca visibilidade positiva e a baixa capacidade de conversão da simpatia à causa gay em votos ou dinheiro não reduzem a nossa fragilidade e importância na construção da diversidade que caracteriza o povo brasileiro.

O apoio político, porém, tem seu preço. Além de bons relatórios e indicadores positivos, as moedas desse jogo muitas vezes incluem o silencio, a suavização de críticas e o controle de liderados. Ao misturar no mesmo saco as bandeiras da nossa causa e interesses partidários, o movimento LGBT arrisca perder o foco e até diminuir ou repudiar avanços protagonizados por partidos adversários.

Por outro lado, se consideramos a importância de ampliarmos nossa participação política, como estratégia de garantia de direitos, não temos como escapar dos partidos. Ninguém concorre ou se elege no Brasil sem filiação partidária.

Nossas bandeiras, portanto, precisam ser incorporadas, como tem sido por algumas siglas mais progressistas. É necessário um real investimento na formação política da população LGBT e na ampliação da nossa capacidade de converter mobilização em voto. É fundamental que os políticos que distribuem tapinhas nas nossas costas em épocas de eleição, honrem seus compromissos com a diversidade e com os fundamentos de seus partidos, assim como cobram fidelidade nas faturas que chegam ao movimento LGBT.

Camisinha sempre!

sábado, 11 de junho de 2011

Aids Summit - 11/06/2011



Nesta semana, a Aids voltou a ser o foco das atenções mundiais, marcando os 30 anos da epidemia. Desde quarta-feira, representantes das nações membros da ONU, especialistas, diplomatas e representantes da sociedade civil participam, em Nova York, da Reunião de Alto Nível sobre a Aids, o Aids Summit. Entre os objetivos do encontro, a desafiante meta de zero novas infecções pelo HIV até 2015, em consonância com as Metas do Milênio.

Paralelamente, o Fórum Global sobre Homens que Fazem Sexo com Homens (HSH) e HIV solicitou aos mais de trinta chefes de estados presentes e aos representantes dos países membros das Nações Unidas que reconsiderem as estratégias adotadas até hoje e que se baseiem em três pilares fundamentais na resposta à epidemia: políticas que sejam baseadas em evidências, foco em ações voltadas para populações chave e a defesa e garantia dos direitos humanos.

Intervenções específicas para alguns grupos são componentes indispensáveis para qualquer resposta nacional abrangente. "Em muitos estudos, as evidências têm chamado a atenção para populações- chave, como homossexuais, profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e pessoas trans", declara o dr. George Ayala, diretor executivo do Fórum HSH-HIV.

Gays e HSH compreendem cerca de 25% das pessoas vivendo com HIV na América Latina e no Caribe, por exemplo. No Brasil, enquanto a prevalência da Aids entre os homens heterossexuais é de 0,8%, chega a 10,5% entre os HSH. "Com mais de 33 milhões de pessoas vivendo com HIV no mundo e mais de dois milhões de novos infectados a cada ano, já não podemos nos dar ao luxo de ignorar as condutas baseadas em evidências em nome de normas culturais, valores religiosos ou códigos penais que violam os direitos humanos básicos", completa o dr. Ayala.

Contra essa abordagem, estão justamente os países que desrespeitam os direitos humanos e negam a diversidade sexual de sua população: muitos países africanos, árabes e caribenhos. Argumentam a defesa da soberania das nações e aquilo que vem sendo chamado de "relativismo cultural", que defende o respeito à cultura local, embora isso possa incluir mutilações, abusos e homofobia.

Além disso, os movimentos sociais defendem a produção de um documento com objetivos bem definidos e indicadores precisos que possam ser aferidos periodicamente, como o número de vidas salvas versus o valor investido. Contra isso estão os países desenvolvidos, financiadores de grande parte das ações de controle da Aids, que preferem um documento mais político e temem que metas e investimentos ambiciosos impliquem em um comprometimento maior de seus recursos.

Camisinha sempre!

sábado, 4 de junho de 2011

Debate - 04/06/2011



Os últimos acontecimentos alçaram o movimento LGBT aos mais elevados patamares do debate político nacional. O kit contra a homofobia, anunciado pelo MEC, execrado pelos religiosos e criticado pela presidenta, acabou como moeda preciosa nas negociações que pretenderam evitar a convocação do ministro Palocci ao Congresso para explicar o crescimento suspeito de suas finanças. Nossa foto nas primeiras páginas dos jornais, entretanto, mostra um movimento ferido, cujas cicatrizes ofuscam o brilho da vitória recente no Supremo Tribunal Federal, quando nossas uniões estáveis passaram a ser reconhecidas. Um debate bem mais qualificado do que os métodos adotados pelo Legislativo e o Executivo, diga-se de passagem, que se utilizaram das costumeiras ameaças, chantagens e barganhas.

A falta de controle das informações e de estratégias para a divulgação do kit contra a homofobia foi a grande responsável pelo desastre que se instalou em torno do assunto. O debate se espalhou como rastilho de pólvora sobre um material que ninguém viu, ninguém leu, ninguém conhece bem, a não ser os técnicos envolvidos em sua produção. Sequer aqueles que participaram dos debates do projeto Escola sem Homofobia, que deu origem ao material, viram o resultado final do kit. Na verdade, três vídeos curtos, indicados para serem utilizados nas oficinas como ferramentas provocadoras do debate sobre orientação sexual e identidade de gênero, foram postados no YouTube e serviram de estopim para toda essa celeuma. A partir de trechos selecionados, o que deveria servir para combater a homofobia serviu para reforçá-la, como uma volta às trevas onde se defendem valores conservadores e se apregoam falsas ameaças à família e à moral cristã.

É preciso reverter esse processo. É fundamental que o kit chegue aos órgãos sérios de imprensa e aos educadores completo, fundamentado e contextualizado para que seja analisado sem paixão, numa perspectiva de se melhorar o ambiente da educação formal em nossa sociedade e lapidar conceitos e virtudes que tornem nossos cidadãos melhores, não preconceituosos e homofóbicos.

Enquanto os religiosos que sequer participaram do processo de construção do material continuarem responsáveis pela divulgação dessa ferramenta criada para apoiar escolas e professores a lidarem com as questões que envolvem as homossexualidades nas escolas - uma deficiência amplamente detectada na formação de nossos docentes; enquanto o material não for conhecido e debatido sem suposições e conjecturas, continuaremos a tratar com preconceito aquilo que se propõe a combatê-lo.


Camisinha sempre!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Kit - 01/06/2011


O problema está posto: a homofobia nas escolas existe e tem deixado sequelas na formação de jovens homossexuais em todo o mundo, notadamente no Brasil, onde o machismo alcança cada espaço de nossa existência. E alguma coisa precisa ser feita para que seus malefícios não se perpetuem.

O kit do projeto Escola sem Homofobia surge nesse contexto. E como qualquer iniciativa dessa monta, deve ter um bom embasamento científico que evite esforços inúteis e desperdício de energias. Além disso, as ações de combate ao preconceito contra os gays e lésbicas devem partir dos responsáveis pelas políticas públicas de educação formal do Estado, considerar todos os aspectos político-pedagógicos e contemplar o protagonismo dos atores envolvidos. Devem ser ações revestidas de um rigoroso cunho legal, seguir fielmente a Constituição e evitar se estender a outras discussões que avancem nas escolhas individuais, como as religiões. Por fim, devem ser conduzidas pelos professores que, na falta de domínio do assunto, seriam orientados e capacitados para isso.

Foi nesse sentido que se estabeleceu a parceria entre o Ministério da Educação e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a ABGLT, para desenvolver materiais que pudessem apoiar as escolas no trato das situações de preconceito e combate ao bullying contra os homossexuais. Durante vários meses, foram realizados encontros entre professores, diretores de escolas, ativistas do movimento LGBT e órgãos públicos das esferas federal, estaduais e municipais. O debate se estendeu a todas as regiões do Brasil, no sentido de contemplar os aspectos das culturas locais e legitimar o seu resultado.

Além do MEC, várias secretarias estaduais e municipais de educação participaram do processo. Uma mobilização de centenas de cientistas sociais, professores, psicólogos, mestres, doutores, pais e mães, homos e heterossexuais que resultou na produção de um conjunto de instrumentos pedagógicos de apoio às atividades escolares.

Quando, por fim, assistimos o tipo de propaganda que vem sendo feita contra o material que seria lançado para distribuição às escolas, apelidado pejorativamente pela bancada religiosa de "kit gay", o mínimo que podemos dizer é que estamos diante de um enorme desrespeito às instituições científicas e ao processo de construção de políticas públicas no nosso país.

Pior ainda é perceber o uso desse material como moeda de troca para evitar possíveis investigações sobre o acelerado enriquecimento do ministro Palocci: o governo esquece o combate à homofobia e os religiosos esquecem as investigações.


Feridos pelo recente reconhecimento das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo pelo STF, os evangélicos viram na oposição ao material produzido pelo MEC uma oportunidade de vingança nessa batalha medieval entre religiosos e homossexuais. Nosso país perde uma excelente oportunidade de investir na formação de uma geração mais respeitosa e menos afeita ao papel de rebanho alienado conduzido por pastores comprometidos com seus interesses pessoais.