sábado, 27 de novembro de 2010

Dores - 27/11/2010



Semana intensa, na qual as mães piscaram seus sinais luminosos, nos dando lições de vida, força, bravura e ternura, entremeadas de profundas lágrimas e dor. Dor que dói em mim, por não poder roubar um pouco e aliviar parte de tanta dor. Dor que dói de doer, que perde o sentido figurado e fere fundo, na alma, no coração.

Como as de Juny, uma mulher-amiga que enfrentou a interrupção de uma gravidez aos cinco meses e meio. Dor de mãe ao sentir o aperto de mão de um filho passageiro que partiria horas depois. Dor de quem fica, buscando um novo início para recomeçar. Dor que deixa marcas e que demora a cicatrizar.

Noutra ponta do ciclo, o apego à vida mostra minha mãe a enfrentar a ausência da saúde com a galhardia de quem já tira de letra as adversidades e que não teve tréguas na sua luta por continuar viva. Não seria qualquer AVC que lhe deixaria sequelas ou tiraria o prazer de poder responder ao telefone que "Tudo vai muito bem, graças a Deus!" Um fio de esperanças de quem dela se alimenta.

Em Brasília, é d. Angélica, mãe de Alexandre Ivo, jovem assassinado em janeiro deste ano, em São Gonçalo (RJ) que emociona todo um plenário no Senado Federal, ao relembrar a dor da perda de seu filho homossexual. Ela confessa que jamais imaginaria que a homofobia poderia chegar ao ponto de matar, quanto mais o seu filho.

Diante dos argumentos daqueles que se opõem aos homossexuais, que somos destruidores de famílias; que não somos abençoados por Deus porque vivemos no pecado; que poderíamos mudar se quiséssemos e, como não mudamos e optamos pela nossa verdade, merecemos a condenação e a violência; entendo que o que lhes falta é generosidade, solidariedade e humanidade.

Generosidade, de quem oferece sua compreensão e se dedica a entender o mundo pela visão do outro. Solidariedade de quem compartilha a dor no intuito de aliviá-la. E humanidade de quem entende e se compadece do outro, respeita e reconhece suas relações afetivas, principalmente o amor de sua família.

Entre os filhos que se foram e as mães que permanecem, está a vida repleta de dores e prazeres que, ao fim, se tornam a panaceia que nos mantém vivos.

Camisinha sempre!


domingo, 21 de novembro de 2010

Homofóbicos - 20/11/2010


Durante algum tempo, apresentamos um programa semanal na rádio comunitária Mega FM, de Juiz de Fora. Ali, tinham voz todos os movimentos sociais ausentes da grande mídia e convivemos com a "galera" do hip hop, assíduos ouvintes das nossas mensagens.

Arrependidos, esses jovens relatavam que até bem pouco tempo sua diversão de sábado à noite era sair para "dar umas porradas nos veados". Infelizmente, os 25 megawats de potência da Mega FM não foram suficientes para alcançar aqueles que precisavam ouvir um pouco sobre diversidade, respeito e direitos humanos.

O último domingo foi marcado pela violência contra os gays. Dois incidentes escandalosos mostram que o combate à homofobia não é assunto para ser negociado por votos em períodos eleitorais. Em São Paulo, um jovem gay foi agredido violentamente enquanto caminhava distraído pela avenida Paulista, em plena luz do dia.

A cena foi gravada: o agressor quebra uma lâmpada fluorescente no rosto do gay e outra nas suas costas. Os bandidos presos foram libertados no dia seguinte. Segundo seus advogados, a agressão fora uma resposta a um flerte.

No mesmo domingo, após a Parada do Orgulho Gay do Rio de Janeiro, uma das mais famosas do mundo, um soldado do Exército brasileiro atingiu o abdome de um jovem gay com um tiro de fuzil. Apesar das testemunhas, ninguém foi preso e, na manhã seguinte, o Comando Militar do Leste divulgou nota negando a participação de qualquer militar no incidente. Dias depois, o soldado homofóbico confessou o crime.

Nos dois casos, impressiona a velocidade com que a Justiça agiu para libertar os culpados ou negar o seu envolvimento. Impressiona também a morosidade em reconhecerem que o que está por trás disso é o preconceito, cuja criminalização não consegue avançar graças a religiosos como o pastor televisivo Silas Malafaia, ou os senadores Magno Malta e Marcelo Crivella, que insistem em defender o seu direito de incitar a violência contra os gays em nome de Deus.

Enquanto isso, sem muitas esperanças, continuamos aguardando a implantação de políticas públicas de combate à homofobia, seja educando melhor os nossos jovens, seja punindo os criminosos que dela fazem uso.

Camisinha sempre!


sábado, 13 de novembro de 2010

Mateus - 13/11/2010


Cadê o Mateus?
- Foi para casa da mamãe. Diz ele que, mesmo sendo longe, prefere morar lá, do que aqui.
- E sua mãe concorda?
- Uai, ela já está acostumada. Não falou nada.
- É por isso que ele é desse jeito. Vocês protegem esse menino demais! Se fosse no meu tempo, já tinha tomado uns sopapos. Ou em casa, ou na rua, pra tomar jeito.
- Como se isso adiantasse... O Maurício, seu primo, é da sua geração, deve tomado muitos sopapos e é gay até hoje.
- Mas naquele tempo era diferente. Maurício nunca saiu de casa parecendo uma mocinha, de calça apertada, aquele cabelo colorido caindo na testa, esmalte nas unhas e - Meu Deus! - até maquiagem esse menino está usando, Malu!
- Ele é jovem, Haroldo! Jovem é assim mesmo. Tem que usar essas modas agora, porque depois de velho não fica bem!
- Ser jovem é uma coisa, ser mariquinha é outra!
- Olha como você fala do seu filho!
- E você concorda com isso, Malu? Você acha bonito um menino todo esquisitão, parecendo uma mulherzinha, cheio de trejeitos... Isso é porque você e sua mãe só fazem suas vontades e aplaudem tudo que ele faz.
- Você é que não tem paciência, Haroldo.
- E não tenho mesmo. Outro dia, encontrei com ele e seus amigos na rua. Um horror! Um bando de bichinhas histéricas, dando gargalhadas como se fossem meninas, com aquelas roupas coloridas que você compra para ele... Ainda bem que ele nem me viu!
- Que coisa, Haroldo! Você encontra com seu filho na rua e finge que não vê? Roupas coloridas estão na moda. Mateus é jovem, é bonito, é moderno.
- Mas, precisa se vestir assim?
- Haroldo, você só vê as aparências.
- Mas ele vive para isso! Só pensa em roupas, em Madonna, Lady Gaga...
- Não seja injusto, Haroldo. Ele é um excelente aluno, nunca nos deu trabalho na escola.
- Mas, essa é sua obrigação. E sei lá se está aprendendo algo que preste nessa escola que você e sua mãe escolheram. Mateus tinha que ter ido pro Colégio Militar, aprender a se interessar por coisas de macho! Mateus é incapaz de chutar uma bola no gol!
- Como você sabe? Já o chamou para jogar futebol com você?
- Eu? Pra morrer de vergonha? Imagine a chacota que vai ser? O Flavinho, o Paulão... Putz! Prefiro que ele fique mesmo lá na casa da d. Maria. Só falta aparecer aqui em casa com um namorado.
- Mas é o que vai acontecer, Haroldo. Mais cedo ou mais tarde. Ele é gay e não escolheu ser assim.
- Deus me livre!
- Meninos gays namoram meninos. Conforme-se com isso e deixe seu filho ser feliz.

(Homenagem às mães e avós que, há anos, são responsabilizadas pela homossexualidade de seus filhos e netos. Camisinha sempre!)

sábado, 6 de novembro de 2010

Jovens gays - 06/11/2010


Os jovens gays estão em pauta. Assassinatos por homofobia, suicídios, infecção pelo HIV em taxas maiores que qualquer outro grupo, depressão, isolamento, tristeza. Jovens que se escondem dos colegas, da família, de si mesmos.

Recentemente, os norte-americanos se surpreenderam com o elevado número de jovens gays que se matam, um indicador que cresce em níveis assustadores. O número de suicídios entre eles é quase três vezes maior que entre os rapazes heterossexuais, e isso não está nas páginas dos jornais. Ou pelo menos não estava, até que o projeto "It gets better" (www.itgetsbetter.org) trouxe o assunto à tona e mobilizou a população, celebridades e grupos de gays norte-americanos, na tentativa de reverter esse triste quadro.

Centenas de mensagens dirigidas a esses jovens se espalham pela internet, no sentido de estimulá-los a lutar, e não por um fim em suas vidas. Uma das mensagens mais emocionantes é a do presidente Obama, o que nos faz ter esperanças de que tamanha mobilização poderá se reverter em ações concretas, e que o tratamento que esses jovens recebem em casa, na escola ou na sua comunidade não deverá se perpetuar.

No que diz respeito à Aids, o quadro não é muito diferente. Entre os homossexuais, onde a epidemia ainda mantém os maiores índices de prevalência, a faixa de 13 a 24 anos é a que mais se destaca. É preciso fazer alguma coisa.

Nesse sentido, reuniram-se em Nova Orleans (EUA), nesta semana, cerca de 30 organizações que trabalham com jovens gays, para aprender novas maneiras de se abordar e obter êxito na prevenção ao HIV. Passo a passo, caminham em busca de formas adequadas de se abordar e fortalecer a autoestima desses rapazes e alcançar efetividade nas ações que levem à pratica de sexo seguro.

Reconhecer e reduzir suas fragilidades, aumentar seu poder de negociação do uso do preservativo e mostrar que, apesar de todo o preconceito e desrespeito que ainda prevalece entre nós, suas vidas importam e não estamos de braços cruzados assistindo à evolução de um quadro tão trágico.

O sucesso do programa brasileiro de Aids, exemplo para o mundo inteiro, ainda não conseguiu alcançar os jovens gays. A sexualidade entre os adolescentes ainda é um tabu e nossas famílias e escolas não são capazes de lidar com a possibilidade de uma outra orientação sexual que não seja a heterossexualidade.

Não é com olhar de condenação e correção que iremos alcançá-los. Assim, ampliamos suas vulnerabilidades e negamos o seu direito à construção de um futuro saudável e feliz, onde o medo de viver não seja a linha que costurará suas histórias.


Camisinha sempre!