sábado, 26 de janeiro de 2008

Envelhecentes gays – 26/01/2008


Preparar a velhice. Entre nós, são poucos os que se preocupam em construir condições seguras para viver sua homossexualidade de forma tranquila também na terceira idade.

A partir da metade do século XX, várias gerações de homossexuais vêm desbravando e destruindo preconceitos, construindo uma trilha de facilidades para os gays do futuro. A cada geração, jovens homossexuais se beneficiam da luta desses pioneiros que, literalmente, conseguiram plantar a ideia de que o amor entre iguais, o amor gay, não é uma doença mental, ou um crime, ou um pecado. Num trabalho lento, de formiguinha, vai-se criando condições para que os mais jovens sejam menos discriminados e vivam sua homoafetividade sem passar pelas dores das antigas gerações.

Os jovens homossexuais de 1969 deram início a essa nova visão dos gays, como cidadãos providos de direitos – inclusive ao amor – e marcaram a historia com o enfrentamento aos policiais diante do bar Stonewall Inn, em Nova York. Esses jovens são os gays idosos de hoje. Talvez a primeira geração de gays conscientes de seus direitos como homossexuais que chega à terceira idade. Assim como desbravaram caminhos que hoje facilitam a nossa vida, estão sendo obrigados a preparar o terreno e criar condições dignas para enfrentarem sua própria velhice. E os futuros velhinhos gays e lésbicas novamente irão se beneficiar disso.

O primeiro asilo voltado para o atendimento à comunidade de gays e lésbicas foi inaugurado em Berlim com o propósito de oferecer acolhimento e uma velhice digna aos homossexuais alemães. São 28 vagas, sendo cinco suítes de casal, preparadas para atender companheiros e companheiras que queiram viver juntos a maturidade do amor homossexual na terceira idade. Apesar de voltado para o público gay, o asilo aceitará heterossexuais que se interessem em viver lá.

Berlim possui uma população de 1,3 mil homossexuais idosos vivendo em asilos despreparados para lidar com sua orientação sexual. Muitas vezes são obrigados a se ocultarem de volta no velho armário, contra o qual lutaram tanto. É comum relatos de velhinhos gays e lésbicas que, ao revelarem sua homossexualidade nesses asilos ou casas de repouso ou centros de vida assistida, passam a ser excluídos das conversas e deixam de ser bem-vindas às refeições. Vivem sobre a ameaça de um dia dependerem de estranhos para suas necessidades pessoais e acabarem sendo vítimas de maus tratos, insultos e desrespeito. Muitos acabam vítimas de depressão e chegam mesmo a cometerem suicídio.

As poucas vezes que tive oportunidade de conversar sobre homossexualidade com os companheiros e companheiras da terceira idade, encontrei duas posições distintas: compreensão e condenação. Alguns nos condenam diretamente, normalmente fundamentados em crenças religiosas. Em outros, os olhares furtivos traduzem recriminação escapando ligeiro como quem evita o contato com o diferente. Outros, porém, alicerçados em seus anos de vida, souberam transformar experiência em maturidade e aprenderam a respeitar todas as formas de amor. Esses geralmente nos acolhem e nos fazem perceber que existem problemas muito mais sérios e insolúveis que a sexualidade e a forma de amor do outro. Por fim, existem aqueles que nos olham com admiração e uma pontinha de inveja e revelam, no brilho de seus olhares, histórias sofridas de negação, preconceito e dúvidas que provavelmente morrerão com eles.

Em minha lida com os gays, é comum ouvir o depoimento de jovens românticos que ainda sonham encontrar um grande amor, que enfrentem juntos chuvas e tempestades e com quem possam compartilhar sua velhice, substituindo o fogo da paixão pela compreensão e a amizade do seu companheiro. Muitos se ressentem das barreiras que nossa sociedade impõe a esse sonho e, se já é difícil encontrarmos casais heterossexuais que tenham conseguido envelhecer juntos, mesmo vivendo num mundo heteronormativo, o que dirá casais gays. Além de todas as dificuldades inerentes a uma vida a dois, casais gays ainda enfrentam a homofobia e carregam a incumbência de construir o que venha a ser um casamento homossexual, onde nenhum dos dois esteja representando os papeis tradicionais de gênero e não reproduzam a interação hierárquica falida entre o masculino e o feminino que fundamenta o casamento heterossexual.

Isso faz com que o somatório velhice – homossexualidade – solidão – tristeza seja comum entre nós e nos desperta para que façamos alguma coisa que quebre esse ciclo. A ideia de um asilo LGBT me encanta. Fico imaginando um lugar onde nós, as mariconas, possamos dar a nossa pinta, rirmos e nos divertirmos uns com os outros, sem medo de sermos ridicularizados, sem a responsabilidade de parecermos mais novos ou nos enquadrarmos num padrão de beleza que nem mesmo os jovens estão dando conta de se enquadrar. Um lugar onde nossa identidade seja respeitada, onde tenhamos uma assistência médica adequada às nossas necessidades e que nos faça sentir independentes, longe da sensação de estorvo.

A velhice e a homossexualidade juntas, nos colocam diante de uma combinação perigosa de preconceitos que tem trazido muita dor aos nossos pioneiros. Precisamos encontrar uma forma de nos libertarmos da opressão geracional e garantirmos condições dignas aos envelhecentes homossexuais. Precisamos pensar na nossa casa de repouso e assumir que seremos velhos um dia e uma barriga de tanquinho não é para sempre.

Nessa onda, o site argentino AGMagazine (www.agmagazine.com.ar) anunciou recentemente que o ator David Duchovny – o agente Mulder da série Arquivo X, deverá filmar uma história de amor entre dois homens que se conhecem num asilo para idosos gays. Ironicamente, a maior dificuldade para a montagem do casting não está sendo encontrar atores que topem interpretar gays, mas sim encontrar atores que admitam serem velhos.

Camisinha sempre!

sábado, 19 de janeiro de 2008

A vez da bactéria – 19/01/2008


A pesquisa é séria e a presença da cepa USA300 da bactéria multirresistente MRSA entre os gays de San Francisco é uma realidade. Mais uma vez uma doença se propaga e expande entre nós. Novamente, estamos diante do risco de construirmos uma nova forma de discriminação, de marginalização e justificativa para a homofobia.


Preocupa-me o tom de condenação no trato dessa questão. Da forma como vem sendo apresentada a pesquisa chefiada pelo Dr. Binh An Diep, do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia, estamos diante de mais uma peste que nasce entre os homens que fazem sexo com homens. Paira no ar o mesmo tom alarmista com que recebemos as notícias do HIV entre os gays americanos no início dos anos 80. É preciso esclarecer logo e não deixar que essa idéia se torne um gancho contra nós nas mãos dos fanáticos. Deixar claro que a pesquisa mostrou uma preponderância de casos entre os homossexuais do Castro, tradicional bairro gay da cidade de San Francisco, mas mostrou também que o MRSA está nos heterossexuais, desde o início.


Essa bactéria não aparece pela primeira vez entre os gays. A MRSA foi descoberta em 1961 e essa cepa multirrestistente, a USA300, em 2001, ou seja, já é uma velha conhecida do controle epidemiológico e vem provocando a morte de cidadãos americanos há um bom tempo. Tanto que é a forma dominante de infecção por estafilococus mais comum nos Estados Unidos.


Aqui no Brasil, ela também não é tão nova: está entre nós desde a década de 80/90, quando se torna um dos mais importantes patógenos hospitalares em termos de incidência e gravidade das infecções. Ou seja, essa bactéria é uma das principais causadoras daquilo que conhecemos bem como “infecção hospitalar”, responsável pela morte de milhares de pacientes em hospitais e alvo das atenções e controle em unidades clínicas de todo o mundo.


Os primeiros casos de transmissão da bactéria fora dos ambientes hospitalares ocorreram entre os índios australianos e nativos americanos no Canadá, no início da década de 90. Logo depois se espalhou e, curiosamente, as primeiras notícias da sua transmissão entre pessoas de uma mesma comunidade, sem um histórico de internação hospitalar, identificam participantes de esportes coletivos e recrutas militares nos Estados Unidos. OU seja, comunidades predominantemente formada por homens heterossexuais. No Brasil, o primeiro caso de infecção causada pelo MRSA fora do ambiente hospitalar foi relatado em 2004, em Porto Alegre e passa ao largo da orientação sexual dos pacientes. A cepa multirresistente em questão na pesquisa americana, a USA300, ainda não foi localizada por aqui.


Apesar de toda a seriedade da equipe de pesquisadores, questiona-se basicamente porque ela afetaria em especial os homens gays? As relações sexuais anais, que possibilitam o contato pele com pele, forma apontada como responsável pela transmissão da MRSA, não são exclusividade dos gays, sendo bastante praticadas por casais heterossexuais, seja por puro prazer erótico, seja como forma de controle de natalidade – normalmente, sem a proteção de preservativos.


Assim, entendo que a pesquisa seria considerada desprovida de preconceito se abordasse o recorte do ponto de vista das práticas, e não da orientação sexual dos pesquisados. A bactéria afeta todos que praticam sexo anal desprotegido, sejam gays ou heterossexuais. Se a incidência é maior entre os homens que fazem sexo com homens, é porque entre nós o intercurso anal é mais comum, obviamente. Afinal, o que diferencia as relações anais entre gays das relações anais entre heterossexuais?


Para mim, se uma doença surge numa comunidade que possui características específicas; consegue, de certa forma, ser localizada no mapa; se é possível inclusive obter informações sobre o comportamento sexual das pessoas infectadas – o que é uma informação estatística preciosa quando se trata de epidemiologia e controle das DST; enfim, conclui-se facilmente que estão faltando políticas públicas de saúde, saneamento básico, vigilância sanitária, preservativos, educação, voltadas para a população de gays e homens que fazem sexo com homens de San Francisco.


Enquanto isso, por aqui, chegamos às portas do carnaval, quando só no Rio de Janeiro são esperados mais de 600 mil turistas GLS, muitos deles vindos da Califórnia. É importante que as autoridades sanitárias brasileiras se mobilizem, esclareçam a população com risco acrescido para a bactéria, e intensifiquem suas ações de prevenção nos aeroportos. É preciso se criar uma barreira efetiva à entrada dessa cepa multirresistente no Brasil, porém, sem alarmismos. As instruções médicas são simples: higiene: água e sabão antes e depois da transa e, claro, camisinha sempre!

sábado, 12 de janeiro de 2008

Fervura na nossa sopa – 12/01/2008


Estive em Brasília, participando de mais uma das reuniões preparatórias para a I Conferência Nacional LGBT, que acontecerá ali, de 9 a 11 de maio de 2008. Antes, porém, entre fevereiro e abril, todos os estados da federação deverão realizar suas conferências estaduais. O nosso não foge à regra e o governador Aécio Neves deverá convocar a de Minas Gerais a qualquer momento.
Além da Associação Brasileira de Gays (Abragay), entidade que presido desde 2005, participam da Comissão Organizadora da Conferência, outras tantas entidades, perfazendo 36 representantes de organizações lésbicas, transexuais, travestis, jovens, afros, a ABGLT – associação que congrega todos esses segmentos, e mais os representantes do governo: a Presidência da República e os Ministérios, todos coordenados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. É ela a responsável pela coordenação da Conferência, além de ser o órgão executivo à frente de todo o processo de sua construção.
Tarefa árdua! Reuniões intermináveis, nas quais o jogo político se torna real e, na mesa, interesses dos mais diversos, disputas de poder e de espaço. Pela lógica, de um lado estaria o poder público e todo o seu leque de comprometimentos, as pressões, e a necessidade de se combater a homofobia e propor um Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT, como consta entre os objetivos da Conferência. Do outro lado da mesa, estaria a sociedade civil e seu papel reticente de controle social, cobrando o compromisso do governo e orientando cada ação, cada palavra, cada expressão.
Mas, não é bem assim. As disputas acontecem e se tornam acirradas entre nós, gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais. Segmentos que conseguem se sub segmentar e criar facções que não se entendem e disputam entre si. Tudo é motivo de contestação e até mesmo desconfiança: o que está por trás disso que estão falando? Onde estão ganhando com isso? Que vantagens estão levando?
E o que antes era um processo de construção de políticas públicas para uma população sofrida e desrespeitada, o que deveria ser um momento de se pensar nas propostas e nos documentos que deverão ser apresentados, debatidos e aprovados na Conferência, se torna palco de disputas entre nós mesmos.
O que une gays e lésbicas, por exemplo, é sua orientação sexual voltada para pessoas do nosso mesmo sexo: mulheres que se atraem por mulheres e homens que se atraem por homens. O que nos diferencia, na essência, é que somos homens e mulheres. Pois é exatamente para aí que se dirige o nosso foco. E, de repente, homens gays estão disputando com mulheres lésbicas. Eles, acusados de machistas, chauvinistas e pouco generosos com as mulheres lésbicas; elas, acusadas de tentarem tirar proveito de sua condição de mulher para angariar vantagens políticas. Nem todos; nem todas, claro.
Travestis e transexuais travam (sem trocadilho) uma batalha muda, perdidas entre os gêneros, "descolocadas". Reivindicam sua inclusão nas cotas de representação das mulheres – e nos banheiros femininos, nas conferências das mulheres, nos programas do SUS, afinal, representam mais uma das várias manifestações do que vem a ser feminino.
Um dos mais acirrados momentos, porém, foi a discussão do critério que será adotado para a escolha dos delegados na I Conferência. Apesar de termos conseguido garantir a participação paritária de homens e mulheres, ficou claro que alguns grupos ainda entendem o movimento LGBT como uma arena para a disputa entre as várias letrinhas que compõem a nossa sopa.
O processo de construção da I Conferência Nacional LGBT tem levantado a poeira da disputa entre os segmentos. Temos que estar atentos e não deixar que o que deveria nos unir se torne tão facilmente uma ferramenta de separação. E fazer da nossa Conferência Estadual um exemplo.
Camisinha sempre!

sábado, 5 de janeiro de 2008

2008 promete – 05/01/2008


O início do ano sempre nos leva a reavaliar nossas promessas. Em 2007, prometi me livrar de comportamentos que me incomodam, de amarras que me prendem e repeti exatamente estes gestos e atitudes nos primeiros minutos do ano.

O ano novo não passa de um marco coletivo: todo mundo escolhe aquela meia-noite para o começo da mudança. A partir daquele instante, milhares de pessoas começam a se esforçar para atingir seus objetivos. Importantes objetivos, já que os pequenos a gente se compromete todo dia. Toda segunda-feira é dia de começar o regime, assim como toda sexta é dia de quebrá-lo. Todo domingo de manhã é dia de parar de beber definitivamente, assim como toda sexta à noite é dia de se esquecer do domingo. Cada cigarro que se apaga no cinzeiro é o último; cada cigarro que se ascende também.

Mas, na virada do 31 de dezembro para 1º de janeiro as promessas tomam um caráter mais sério. E, por algumas horas – quando não alguns minutos – nos sentimos fortes o suficiente para desafiarmos, mais uma vez, nossos defeitos e vícios. Alguns poucos e valorosos, cumprem na totalidade seus projetos para o ano novo. Quem não consegue, se submete a um doloroso processo de auto-flagelação que se repete o ano inteiro: sentimo-nos fracassados, frágeis diante de nós mesmos, incapazes de cumprirmos pequenos compromissos, gigantescos diante da nossa dificuldade de promover mudanças.

Algumas promessas, entretanto, não são nossas. Na verdade, o ano de 2008 promete. Promete, por exemplo, bons momentos de ativismo: teremos conferências estaduais LGBT culminando com a primeira Conferência Nacional, em Brasília, voltada para a construção de políticas públicas que promovam a emancipação da nossa comunidade. Além disso, promete a continuidade da batalha pela aprovação da criminalização da homofobia no Senado e o acirramento do confronto com os religiosos fundamentalistas.

Em 2008, teremos ainda mais cidades realizando suas Paradas do Orgulho Gay. Paradas que se preparam para diminuir o volume dos alto-falantes e aumentar os gritos de palavras de ordem, os apitos e as reivindicações. 2008 promete um movimento gay mais militante, disposto a abrir mão da festa e ir para as ruas lutar por direitos.

É fundamental que estejamos unidos também fora das baladas e que façamos valer nossa voz nas urnas: esse é ano de eleições municipais. Ano de avaliação, tomada de posição. É preciso se incluir o recorte LGBT na pauta dessa eleição, negociar comprometimentos e pensar seriamente em nos fazermos representar por nós mesmos. 2008 é o ano de elegermos candidatos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais comprometidos com a nossa luta.

2008 promete também na saúde. Novos medicamentos surgem para facilitar a vida das pessoas vivendo com o HIV, mas a garantia do acesso universal e gratuito continua consumindo 70% de todos os recursos do Programa Nacional de DST-Aids. Os mesmos senadores que votaram contra a aprovação da CPMF assistem impávidos, a conta ser entregue à população, que é quem, no final, vai pagar o aumento do IOF, se quisermos que sejam garantidos os serviços do SUS.

Logo depois do carnaval, o ministro da Saúde deve lançar oficialmente o Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids e das DST entre Gays, homens que fazem sexo com homens e Travestis, já acertado entre as instâncias federal, estaduais e municipais. Somado às pesquisas de linha de base que estarão sendo financiadas pelo governo, os gays deverão chegar ao final do ano com mais informações e ações efetivas que alterem nossa participação no quadro epidemiológico da Aids no Brasil.

Está prevista a aquisição de 1,2 bilhões de preservativos no orçamento de 2008, o que vai possibilitar a continuidade do trabalho de prevenção que é feito pelos postos de saúde e pelas ONG que trabalham com Aids e permitir que eu continue a lembrá-los semanalmente:

Camisinha sempre!